Outra Vida, Outra Pessoa


A brisa entrava de mansinho, raios do sol atravessavam a cortina branca naquela tarde de primavera. O dia havia passado rápido e de alguma forma ela sabia que a noite teria o mesmo destino. Sentada sozinha num canto do quarto, ela ouvia as mesmas músicas repetidamente, como se fossem as batidas de seu coração.

Caixas e malas agora faziam parte do cenário. Em uma semana tudo estaria diferente, em uma semana Abigail estaria longe de tudo aquilo que ela classificava como seu mundo.

Tentar parecer forte e decidida parecia-lhe a melhor opção, mas as lágrimas insistiam em escorrer. Tentar impedir os pensamentos parecia-lhe sensato, mas momentos do passado continuavam a inundar sua mente. Não era tristeza, era a saudade batendo em sua porta antes mesmo de partir.

Abigail levanta-se do canto empoeirado do quarto e olha para o relógio sobre a mesa. Já são cinco e quarenta e nove. Anda calmamente até o espelho e para variar, a imagem refletida não lhe agrada. A maquiagem está borrada, o cabelo em completo desalinho e o vestido preto todo amassado. Em uma mistura de desespero e nervosismo, corre para tentar arrumar o que em sua mente não tem salvação.

Pronta, senta-se na cama e tenta novamente ligar para aquele que só a faz sorrir, seu melhor amigo. Nada. Chama e ninguém atende.

Larga o celular na cômoda e começa a andar freneticamente pelo quarto, tentando manter o compasso de seus pensamentos. O ano havia passado rápido. Novembro veio, trouxe situações inesperadas em seus últimos dias, e foi embora como se nada tivesse acontecido, deixando apenas aquela sensação de ansiedade, aquele desconforto. Hoje, no primeiro sábado do novo mês, Abigail tentava ignorar a realidade.

~

Não há mais brisa entrando de mansinho, ela foi substituída por um vento forte que arrasa tudo. Os raios do sol não atravessam a cortina branca durante a tarde. Agora uma tempestade arrasta tudo que encontra pelo caminho. Bate com força no vidro da janela do quarto levando com ela as lágrimas que caíram no parapeito. Os dias rastejam, e ela sabe que o destino da noite é bem pior. As noites parecem mais longas agora. Ela senta novamente num canto do quarto, e escuta músicas que não deveria ouvir repetidamente. Elas não parecem a batida do coração, mas acompanham perfeitamente o soluçar e a freqüência das lágrimas.

Caixas e malas em breve farão parte do cenário novamente. Em um mês tudo será diferente. Ao mesmo tempo, a alguns meses atrás, ela não imaginava que hoje estaria nesta situação, passando por tudo que está passando e prestes a vivenciar algo que ela ainda não tinha planejado para si mesma.

Abigail de certa forma construiu dois mundos que se mesclam. Ela sai de um, para entrar em outro, mas nenhum deles é o mesmo. Não hoje. Não nesta semana. Não neste mês.

Ela finge estar bem e que nada mudou, mas freqüentemente as lágrimas voltam a escorrer. Os momentos vividos voltam a sua cabeça, e os pensamentos inundam seu ser. Agora não é apenas saudade. É tristeza, é solidão. É estar num lugar cheio de gente e se sentir como o único ser humano na Terra.

Abigail levanta-se desajeitadamente do canto empoeirado do quarto, sentindo dor por todo corpo, e olha para o mesmo relógio que esta em cima da mesa. São cinco e quarenta e nove. Anda calmamente até o espelho, e mais uma vez, a imagem refletida não lhe agrada. Na verdade, ela nunca esteve pior. Maquiagem já não usa. As olheiras e olhos inchados não são facilmente escondidos. O cabelo cai sobre seus olhos em desalinho. Não há desespero, nem pressa em consertar ou arrumar qualquer coisa, não tem salvação no momento. Não com as crises.

Senta-se na cama, e tenta achar a posição que menos incomoda. Pega o celular, olha o visor e larga-o em seguida no chão. Bate os dedos freneticamente contra o dossel da cama, tentando reprimir as lágrimas e os pensamentos. O ano havia passado mais rápido que os anteriores. Dezembro veio, e trouxe situações desagradáveis e inesperadas, e foi embora como se nada tivesse acontecido, deixando apenas aquela sensação de desconforto, dor, impaciência. A poucos dias do Ano Novo, não há perspectiva. A única coisa que Abigail quer é ignorar a realidade.

0 comments:

Post a Comment